terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O Egoísmo do Bem



Hoje vou me dar o direito de ser hipócrita (e toda vez que eu sentir tantas coisas quanto neste momento, vou renovar este direito).
Quando a raiva se mistura com a dor e uma sensação reprimida de fracasso, eu sinto vontade de cuspir umas verdades. Todas elas são só minhas e também meio momentâneas, mas não importa. De mais a mais, nesse mundo, poucas são as verdades absolutas. Todas elas recebem o título de leis e só permanecem enquanto ninguém as derruba.
Minhas pequenas verdades absolutas são minhas queridas leis e elas permanecem enquanto eu não mudar de ideia.

O Egoísmo do Bem

(Manual prático para um passo em direção ao Nirvana)

Minha lei nesse domingo chuvoso é a Lei de Responsabilidade Sobre os Sentimentos das Pessoas. Eu que já magoei muita gente com meu jeito às vezes explosivo e mal-humorado (hipocrisia n.1), entendi que é compreensível esquecer de pagar uma conta; deixar a toalha molhada em cima da cama ou não participar da reunião do condomínio, mas que é inadmissível provocar dor.
E falo de qualquer tipo de dor. Dor física, dor psicológica, dor indefinida ou qualquer outro sentimento inominável, porém esquisito e desconfortável.
É uma coisa torta do ser humano, essa de não perceber que inflige nos outros “o que não deseja para o pior inimigo”. Se lhe dói, não provoque no outro a dor que não deseja a ninguém.
Começando pelo simples (hipocrisia n.2): não seja como muitas vezes eu já fui, achando que minha noite mal dormida justificava o meu “bom dia para quem?” resmungado para alguém que tenta ser gentil comigo logo de manhã.
Acho que deveria haver um código dos direitos conferidos por cada mazela a que essa vida nos submete. Algo do tipo: você está deprimido e tem o direito de: a) comer chocolate; b) correr na praia; c) ouvir músicas tristes e chorar até se sentir melhor. Fim das opções.
Se necessário fosse, poderia haver uma nota de rodapé do tipo “Estar deprimido não lhe confere o direito de fazer com alguém o mesmo que fizeram com você, nem algo parecido e nem algo diferente mas que faça alguém se sentir deprimido como você está neste momento. Infrações a este artigo são passíveis de recebimento do sofrimento causado à vítima elevado à enésima potência”.
Poderia ter um prefácio estilo Manual de Instruções: “Como Lidar com Seus Sentimentos”. Parágrafo. “Antes de ler este código, respire fundo e entenda o que você está sentindo. Concentre-se em você mesmo e em tudo o que está em sua cabeça. Um brainstorm pode ajudar. Em hipótese alguma se aproxime de outras pessoas neste momento. Isso pode confundir seus sentimentos. Quando estiverem claras as ideias que lhe passam pela cabeça e os sentimentos em seu coraçãozinho, busque-os no índice para que lide com eles sem machucar ninguém. Lembre-se: NÃO SE APROXIME DE NINGUÉM DURANTE ESTE PROCEDIMENTO”.

(Seja egoísta, seja elegante, dê mais um passo em direção ao Nirvana)

No fim das contas, tudo meio que se resume aos fatos de que:
1)    Somos pequenas bombas-relógios artesanais;
2)    Somos egoístas de um jeito completamente errado.
Cada pessoa é um aglomerado de sentimentos diferentes que é único e está prestes a explodir em um momento que pode ser extremamente desrespeitoso com o aglomerado de sentimentos (também único) de outra pessoa. Em meio a essa constituição tão artesanal do ser humano (e consequente especificidade), não é como se pudéssemos prever de que forma as pessoas vão reagir aos nossos comportamentos e às nossas atitudes. Podemos, porém, ser egoístas de modo a guardarmos nossos sentimentos até entende-los o suficiente para sabermos obter deles o melhor resultado, tanto para nós quanto para as pessoas que nos rodeiam.
Podemos também ser egoístas do bem. Pegar nossos sentimentos – tanto os bons quanto os ruins – e transformá-los em coisas boas. Tanta energia armazenada tem que servir para algo positivo, pelo amor de qualquer coisa.
Produza algo bom: escreva, corra, assista uma série ou um filme, faça algo que tem procrastinado há tempos, expresse seu carinho por alguém que está há muito tempo fazendo bem para você, convide um amigo de longa data para se divertir.
Canalize o que sente em vez de direcionar a alguém desavisado que não tenha nada a ver com o seu momento.
Se for assim tão difícil, aplique diariamente o egoísmo do bem. A ideia sempre é pensar em si de modo a beneficiar a todos e não só a você.
Pense que você não gostaria de ser uma lufada de ar fresco para um sofredor que te respira e vai embora; que você não quer ser o alvo da fúria de alguém que deu uma topada (coincidentemente no mesmo lugar que você) e nem de ouvir palavras ríspidas como retorno das tuas que eram tão doces.
Leminski diz que “um homem com uma dor é muito mais elegante [...] Sofrer vai ser a minha última obra”.
Eu humildemente acho que é muito mais elegante um homem cuja última obra é ter portado dores sem fazer doer a ninguém.




Um comentário:

  1. amei o texto dani! E concordo em gênero, número e grau!
    Mesmo a gente sendo meio hipócrita as vezes, é tão importante pensar nessas coisas. Um dia a gente atinge o nirvana. ou chega perto.

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